chegamos... edição 01
aí vamos nós com mais uma edição com notícias (e pitacos) de assuntos ligados ao direito do futuro (ou ao futuro do direito)
a longuinha da semana
(bora mexer em vespeiro)
um pitaco sobre a decisão do tst que reconheceu vínculo empregatício entre motorista e uber
abril começou de um modo um tanto quanto diferente para o uber no brasil, em especial porque o tst, contrariando sua própria jurisprudência, por decisão de sua terceira turma, reconheceu vínculo empregatício entre motorista e o gigante de tecnologia1.
antes de prosseguirmos, faço aqui um pedido: abandone qualquer instinto defensivo, esqueça seus pré-conceitos a respeito desse assunto, reconhecendo tratar-se de um caso complexo, e simplesmente leia e reflita.
disposto a ouvir (no caso, ler), bora lá…
de tempos em tempos, surgem produtos ou serviços que podem ser classificados não apenas como novos, mas sim disruptivos. como dizem alguns, “game changers”. são assim classificados aqueles que promovem uma verdadeira ruptura em relação ao que havia até então, e não uma simples inovação incremental.
as últimas décadas têm sido pródigas no surgimento de inovações disruptivas, muito em função da aplicação da tecnologia e sua rápida evolução. como exemplos, podemos citar o smartphone, que foi muito além de incrementar funções em um aparelho de telefonia celular, o airbnb, que se tornou o maior provedor de hospedagem do mundo sem ter sequer um quarto de hotel de sua propriedade, e também o uber, a maior empresa de transporte privado de passageiros do mundo, sem ser dona dos meios de transporte utilizados, apenas para ficar em alguns poucos.
o que todas essas inovações têm em comum em relação ao direito? a dúvida, muitas vezes decorrente de um vazio legislativo (não há norma alguma que possa ser aplicada), outras de uma incongruência com aquilo que existe. por exemplo: quando escolho me hospedar em um imóvel intermediado pelo airbnb, o que rola ali, do ponto de vista jurídico: contrato de hospedagem ou contrato de locação?
é uma dessas dúvidas o objeto dessa análise de hoje: os motoristas que trabalham via aplicativo uber devem ou não ser considerados empregados da empresa de tecnologia?
miguinh@, se você achou que eu viria aqui com uma resposta (posição) do tipo sim ou não, sinto lhe desapontar. esse é um daqueles “assuntos complexos”, para os quais o binarismo simplório não deveria sequer ser considerado.
meu propósito aqui é outro, é promover uma reflexão: será que a aplicação das regras trabalhistas existentes, muitas das quais originadas na década de 1940, são a melhor solução? a tal “subordinação algorítmica”, citada na decisão, pode mesmo ser equiparada à subordinação tradicional, submeter-se a ordens do empregador? o que dirá dos demais elementos caracterizadores da relação de emprego? como ficam esses requisitos quando o motorista decide desligar o aplicativo, passar dias desconectado, ou mesmo trabalhando para aplicativo concorrente?
para deixar essa reflexão ainda mais interessante (desafiadora, whatever), já adianto aqui minha posição em relação ao assunto principal (não à decisão): os motoristas cadastrados no uber, assim como em outros aplicativos, devem ter direitos mínimos garantidos! mas não acredito os requisitos de configuração do vínculo da “velhaca” clt devam ser aplicados, como foram, ou ainda que os direitos devam ser os mesmos de uma relação jurídica empregatícia “tradicional”.
na maioria das vezes, a aplicação de normas como um “puxadinho”, como foi feito, acaba gerando efeito adverso, em sentido amplo. como assim? em linhas gerais, se desestimula a inovação. em linhas específicas, empresas de tecnologia como o uber, por exemplo, podem decidir abandonar o país caso sua operação se torne financeiramente inviável, afinal aquilo é um business.
“ahhhhhhhhhhhh, mas então você está defendendo a empresa”, dirão alguns. não, amiguinh@, eu estou defendendo a economia e o trabalho. sem essas empresas, as pessoas que delas dependeram nos últimos anos, em uma economia tão fraquinha, deixarão de trabalhar, até porque não existem programas decentes de estímulo ao trabalho ou de (re)qualificação profissional.
“ahhhhhhhhhhh, mas essa é uma posição de mercado”, dirão outros. será? será que esse protecionismo “cego” traz mesmo benefícios a longo prazo? você conhece a lei do frentista2? criada no ano 2000 sob o pretexto de defender a categoria da extinção, nascida para ser provisória, a lei proíbe o funcionamento de bombas de autosserviço, como de regra as temos espalhadas pelo mundo. o problema é que o “provisoriamente”, usado à época como argumento, até hoje segue valendo, e a lei está em vigor. e qual a razão? os frentistas não foram requalificados. assim, todo mundo finge que ela não existe, a cadeia de abastecimento tem um custo a mais (você paga por ele), e o frentista, que deveria ser protegido, segue sem (re)qualificação e recolocação.
tudo isso para dizer que, a favor do reconhecimento de direitos mínimos para os trabalhadores de aplicativos, uber inclusive, é preciso se gastar energia não para se discutir a aplicação ou não dos requisitos de configuração da relação laboral de 1940, mas sim para se criar um normativo específico para tais situações de trabalho, que estão longe de ser exceção nos dias presentes3.
os binaristas brigam, e várias são as respostas dadas como escudos caracterizadores do ego totalitário, aquele que protege a imagem que temos das mentiras reconfortantes. seria extremamente fácil defender que as regras não se aplicam, e os motoristas são autônomos. seria extremamente fácil defender que as regras se aplicam, que as empresas são malvadas, lucram em cima dos parceiros cometendo abusos, sem que a estes seja garantido qualquer direito.
o problema é que essa facilidade esconde mentiras reconfortantes, mentiras de quem não está disposto a buscar uma solução adequada e digna à situação, e prefere viver na instabilidade de um pêndulo que não consegue achar seu equilíbrio.
as curtinhas
brasileiros usam “carteiraço” da lgpd
fonte4
ao que parece, os brazucas estão descobrindo a lgpd, e não nos referimos apenas às classes mais informadas, mas aos brazucas em geral. claro, ainda é tímido o conhecimento, mas não deixa de ser um avanço que os brasileiros já estejam exercendo alguns dos direitos previstos na lei, como o de acesso, revogação de consentimento, e mesmo de eliminação de dados. e, que fique claro, isso não é nenhum “carteiraço”, termo normalmente utilizado não para o exercício, mas para os abusos de direito.
é chegada a hora da vingança contra o telemarketing que atua à margem da lei. abaixo ao enriquecimento de base kkkk.
juíza manda facebook excluir perfil com utilização de dados e imagem não autorizados de Joesley Batista
fonte5
após não ter atendido pedido (de modo administrativo) para remoção de perfil com uso indevido de seu nome e imagem, o empresário Joesley Batista ajuizou ação contra a facebook pleiteando a exclusão do perfil, utilizado para disseminar conteúdo político.
a juíza Gabriela Fragoso deferiu a tutela de urgência e, em sua fundamentação, ainda passou um pito (kkkk) na plataforma, afirmando que “Por vezes, o Facebook promove a retirada de determinados conteúdos de sua plataforma, ainda que não haja nenhuma ilegalidade, ao argumento genérico de que as suas Políticas de Uso teriam sido violadas. Em outras ocasiões, paradoxalmente, não atende a reclamações de usuários de que os seus perfis teriam sido objeto de clonagem, nem retira do ar páginas ofensivas criadas por terceiros, como ocorre no presente caso.”
se quiser ver a decisão na íntegra, está aqui - decisão
mclanche não tão feliz. méqui reporta incidente de dados à anpd e titulares
fonte6
aquele big mac que você pediu via site ou app da rede dos arcos dourados pode custar caro. o méqui reportou incidente à anpd e também a alguns titulares, algo que, segundo a própria lgpd, somente é necessário quando o ocorrido seja capaz de causar risco ou dano relevante aos titulares.
é esperar para ver como o ronald vai sair dessa…
o risco (concreto) de apartheid digital
fonte7
à semelhança do que já foi feito em diversos outros países, cujo exemplo máximo é a china, a áfrica do sul está investindo pesado na construção de um sistema de vigilância privada de vídeo que já conta com 6600 câmeras, das quais mais de 5000 apenas em joanesburgo. as imagens são transmitidas a uma central, de onde dispositivos de ia identificam e rastreiam movimentos da população.
o argumento, como já visto também em outros locais, é a necessidade de redução dos altos índices de criminalidade local.
entretanto, já existem diversas denúncias de que o sistema está provocando uma nova modalidade de apartheid, digital, desrespeitando liberdades. nunca é demais reforçar: se quiser entender do que estamos falando, assista coded bias, na netflix.
é direito, mas tá errado…
o procon, todo mundo sabe o que é, notificou a empresa eventim porque os ingressos do show do coldplay esgotaram rápido demais. oiiiiiiiii?
eles não notificaram porque meia-entrada deixou de ser vendida, porque direitos foram concretamente desrespeitados. eles notificaram, a partir de reclamações de consumidores em redes sociais de que os tickets haviam se esgotado rápido demais, pedindo “que a empresa comprove qual a carga de ingressos disponibilizados — tanto na pré-venda, quanto na venda ao público em geral — em todas as modalidades e setores e quais os mecanismos adotados para evitar a comercialização na pré-venda e venda de ingressos individuais ou lotes a “cambistas” e empresas terceirizadas.”
olha, nada contra a atuação do órgão de defesa do consumidor, mas o interessante é notar que ele costuma surgir, tal qual o mascarado de gotham, assim que os holofotes são ativados. tanta coisa importante pra fazer, tanta cobrança indevida sendo realizada, e os recursos públicos são destinados a questionar a organizadora de um evento que foi sucesso absoluto de vendas. depois questionam o alto custo dos ingressos desses eventos no brasil. é tanto penduricalho, é tanto risco…
portanto, pode até ser direito, mas tá errado.
então é isso, por hoje é só.
espero que tenha gostado. Se gostou, compartilhe com seus amigos. Se não gostou, compartilhe com seus inimigos, envie para a família junto com o bom dia no zap, e por aí vai.
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processo n° 100353-02.2017.5.01.0066
basta que lembremos também dos motoristas parceiros de aplicativos de entrega