chegamos!
e, nos rendendo ao fenômeno, atendendo a pedidos, viemos de minâncora na cara para falar da casa abandonada
a longuinha da semana
the haunted mansion…
se você esteve em terra brasilis nas últimas semanas, deve ter ouvido falar, lido, ouvido, discutido, e todas as demais interações humanas, sobre a história contada no podcast “a mulher da casa abandonada”, capitaneado pelo jornalista Chico Felitti.
apesar de ter estreado já há algum tempo, o programa viralizou após algumas postagens em perfis investigativos, lá no aplicativo de dancinhas, e então tem bombado mais que roque santeiro ou odete roitman (se você não sabe nada a respeito desses nomes, “olá, geração Z”).
a casa (foto abaixo - google street view) virou local de peregrinação de curiosos, e, ao que parece, a mulher deu no pé.
em brevíssimo resumo, já que todos conhecem o plot (e quem não conhece agora vai atrás), o podcast conta a história de uma mulher que se apresenta como Mari, que vive em uma mansão deteriorada no bairro de higienópolis, um dos mais tchururu de São Paulo. até aí, nada demais…
mas Mari, uma senhora que usa grossa camada de pomada na cara, não é quem diz ser, e seu passado esconde uma terrível história que envolve trabalho escravo, FBI, condenação do marido, fuga para o brasil, e por aí vai.
lógico que, até para contextualizar as questões, eu preciso repassar os fatos mais relevantes: mari é uma senhora que vive em uma mansão bastante deteriorada, em bairro nobre da cidade de São Paulo; apresenta-se com o rosto coberto por uma camada de pomada branca; aparenta ter distúrbios mentais; foi acusada, junto a seu marido, nos estados unidos, de escravizar uma brasileira que trabalharia em sua residência, entre os anos de 1970 e início dos anos 2000; marido foi julgado e condenado, enquanto ela conseguiu fugir de volta ao brasil, onde viveu na mansão até que o caso viralizou, conforme já exposto. mari é, na verdade, Margarida Maria Vicente de Azevedo Bonetti, neta do barão da bocaina, herdeira de tradicional família paulista.
meu objetivo, por óbvio, não é contar ou recontar a história já narrada no podcast.
meu objetivo é tentar responder a algumas questões que têm sido levantadas e discutidas nas redes nas últimas semanas, e que se relacionam ao direito (ou eu nem estaria me metendo a responder questões).
de largada, entretanto, um disclaimer: quem me acompanha sabe que não me apresento como dono da verdade, e sou extremamente crítico à incapacidade de repensar de qualquer pessoa. portanto, as opiniões que darei aqui estão sujeitas à críticas e revisões. belezinha?
as questões abaixo foram extraídas de discussões variadas nas redes sociais, e são aquilo que entendemos de principal, não se pretendendo esgotar o assunto, nem de longe.
vamos a elas:
mari teria como alegar violação às regras da lgpd? os dados de mari deveriam ser protegidos?
poderia “mari” pleitear o direito ao esquecimento?
e a privacidade de mari?
portanto, bora lá.
a primeira (1) é tipo warmup, aquecimento, só treino, molezinha: margarida teve seus dados “violados” pelo podcast?
a resposta é não. a lgpd (lei que regula a proteção de dados - genericamente - no brasil) dispõe que suas regras não se aplicam quando os dados forem tratados para fins jornalísticos. claro, não se trata de total e completa inaplicabilidade normativa, já que tal “isenção” abrange apenas os dados que sejam absolutamente necessários à apuração jornalística.
portanto, menos uma.
próxima: mari, ou margarida bonetti, poderia pleitear direito ao esquecimento, demandando que o podcast deixasse de ser veiculado, os resultados de busca fossem desindexados, etc?
a resposta a essa questão também não é difícil, mas demanda uma brevíssima introdução relativa às hipóteses nas quais o tal direito ao esquecimento poderia ser pleiteado (esqueça o que pensa o STF rs).
o direito ao esquecimento parte da premissa de que (i) os fatos sejam verdadeiros, (ii) relacionados ao passado da pessoa que o pleiteia, (iii) tenha havido razoável decurso de tempo desde o fato, a ponto de tornar sua lembrança algo demasiadamente penoso, (iv) tenha havido “superação” da situação fática (ex: dívida já paga, prescrita, pena cumprida, reabilitação, etc) e (v) não haja interesse público em sua preservação/divulgação.
o que é essencial é se ponderar o direito da pessoa de seguir em frente, relativo à sua dignidade, e a liberdade de expressão, imprensa, etc.
analisando-se as premissas, nem é necessário se fazer qualquer ponderação.
os fatos são verdadeiros, passados, há decurso razoável de tempo…mas não há superação da situação fática e há interesse público em sua preservação/divulgação.
a verdade é que margarida bonetti fugiu para o brasil no intento de escapar de punição igual à aplicada a seu marido, condenado a seis anos de prisão, além do pagamento de multa. ou seja, ela jamais foi julgada ou pagou pelo crime cometido.
ah, mas e o interesse público?
de antemão, vamos diferenciar interesse público de interesse “do público”. casos como o de margarida bonetti vão muito além do interesse “do público”, que seria o “fuxico”, o burburinho de curto prazo. o caso é de evidente interesse público, até por envolver situação análoga à de escravidão.
resta a questão relativa à privacidade de margarida.
antes, entretanto, não se deve confundir proteção de dados com privacidade. esta, é de caráter subjetivo, enquanto aquela é de caráter objetivo. dado pessoal é dado pessoal, o que é privativo para uns, pode não ser para outros. então, o fato de não se aplicarem as regras da lgpd em nada interfere na questão relacionada à privacidade.
em condições normais, o direito à privacidade de margarida já seria discutível, afinal, ela foi acusada de uma das práticas mais bárbaras que existem: manter outra pessoa em condições análogas à de escravidão.
ah, mas e a presunção de inocência, já que ela não foi julgada? aqui caímos em uma encruzilhada típica de situações como essa: presunção de inocência x liberdade de imprensa.
o papel da imprensa não é o de julgar, mas sim de narrar os fatos apurados. se exacerbar, poderá ser responsabilizada por isso. não são poucos os casos nos quais a imprensa exacerbou, prejulgou, e acabou com a vida (pessoal e profissional) de pessoas, que o diga o trágico episódio da escola base.
por outra banda, não se pode ignorar que, apesar de não ter sido julgada no brasil, a mulher tem contra ela um “caminhão” de provas produzidas nos estados unidos, fugiu, seu marido foi condenado pelos mesmos fatos, tendo cumprido sua pena, o que facilita bastante a vida do jornalista, lhe dando “segurança” para narrar os fatos como narrados.
um último aspecto não pode passar ao largo, devendo ser considerado: a saúde mental de margarida.
no primeiro episódio, há uma passagem na qual a mulher faz um discurso feroz, aparentemente delirante. somando-se isso a outros fatos narrados, além de tudo o que foi encontrado em termos de conservação, limpeza, etc, há severas suspeitas de que Margarida não goze de saúde mental perfeita.
crime e saúde mental não estão diretamente relacionados, de modo que não dá para colocar o crime, hediondo, na conta de qualquer problema mental, ainda mais pelo tempo em que perdurou, outras pessoas envolvidas, etc.
mas, diante dos indícios de problemas mentais, o jornalista deveria preservar a imagem e privacidade de margarida em detrimento da história a ser contada?
fiz o disclaimer, e acho que as posições aqui podem ser variadas, desde que fundadas, mas a minha é no sentido de que a história deveria sim ser contada, até para se chamar atenção para a barbárie perpetrada ao longo de tantos anos. se chamar atenção para uma realidade: a de que situações como esta ainda ocorrem, e não estão apenas em áreas mais afastadas dos grandes centros.
se houver algum limite ultrapassado, ao menos nesse ponto relacionado à saúde mental da mulher, ele me parece muito mais ligado à ética do que ao direito em si.
bora lá, quero também saber de outras opiniões.
as curtinhas
dado de geolocalização é dado sensível? pergunta pra cristina rocha ou pro ratinho…
uma discussão bastante interessante no universo da proteção de dados diz respeito à geolocalização, e se essa seria (ou poderia vir a ser, casuisticamente) dado sensível.
não, esse espacinho aqui não está reservado para meter a colher nessa discussão. a ideia é apenas para trazer mais um caso que poderia estar sendo contado pela Cristina Rocha, no “casos de família”.
na china, um homem descobriu, a partir da geolocalização do celular da esposa, que estava sendo traído. ao não ter suas ligações atendidas, e já desconfiado, ao verificar que a posição geográfica apontava para um hotel, o homem acabou flagrando sua esposa com outro.
ele a perdoou.
mas o caso não acaba aí.
em um momento “ratinho'“, o homem descobriu que a mais nova das três filhas não era (biologicamente) dele. indignado, decidiu testar as outras duas e, pasmen, descobriu que também não eram suas filhas biológicas.
atualmente, os dois litigam em processo de divórcio.
vai vendo onde o “buscar” pode te levar kkkkk.
internet é terra de ninguém - não é bem assim. postou, rodou!
eu, você, e toda torcida alvinegra, sabemos que a internet é “uma terra” na qual algumas pessoas costumam se sentir confortáveis demais a dizer o que bem entendem, ainda que sejam apenas bravatas, sem se preocupar com, digamos, as consequências jurídicas dos atos de seus avatares.
mas não é bem assim…
o trt2, tribunal regional do trabalho de são paulo, confirmou a demissão por justa causa de um funcionário de uma empresa que, sabidão, postou na rede do tio zuck conteúdo ofensivo relacionado à sua empregadora.
para ser mais preciso, o então funcionário compartilhou notícia prejudicial à imagem de sua empregadora e, não feliz com isso, o sabidão largou um comentário bastante jocoso na postagem.
a empresa demitiu o sabidão por justa causa, e este ainda tentou reverte-la em juízo, sendo derrotado em ambas instâncias.
postou, rodou…
dancinha personalizada? tem autoridade europeia dizendo que não
não é de hoje que o tik tok desperta paixão e ódio, mas este último vai bem além de alguns amantes de plataformas concorrentes.
autoridades de diversos países vivem em guerra com o app que mais cresce em downloads e usuários no mundo todo.
o caso mais emblemático é da terra do tio sam que, mais de uma vez, já ameaçou bloquear o acesso ao app por lá, e ainda não desistiu de fazê-lo, sob uma série de argumentos, alguns bem factíveis, por sinal.
mas tio sam parece não estar sozinho.
a rede de dancinhas foi notificada pela autoridade de dados italiana por uma suposta violação das regras do gdpr (a norma de proteção de dados maior da união europeia). tudo porque o tik tok avisou seus usuários que passaria a lhes entregar publicidade direcionada, ainda no mês de julho. publicidade direcionada significa o que? que eles tiveram acesso aos seus dados, ao menos para saber quais são seus interesses, preferências, gostos, e por aí vai.
entretanto, a autoridade de dados da terra ferrarista meteu logo um “nananinanão”, afinal a rede não obteve o consentimento de seus usuários para usar dados, extraí-los de aparelhos, etc.
o app diz estar tudo certinho, que trata os dados com base em legítimo interesse, bla, bla, bla (momento “é verdade esse bilhete”).
o caso aguarda agora decisão da autoridade italiana que, aliás, já notificou a ico, conhecida como a principal autoridade de dados da união europeia.
é aguardar para ver quem vai fazer dancinha ao final…