Black Mirror voltou — e “Common People” esfrega na sua cara o que você não quer enxergar
‼️contém spoilers 🚨
uma das séries mais cultuadas está de volta, e com uma senhora marretada logo no primeiro episódio.
a estreia da nova temporada não é uma previsão, é um alerta.
mas é, acima de tudo, um diagnóstico brutal, repleto de camadas.
“Common People” é sobre o que acontece quando a tecnologia, a necessidade, a dependência emocional e o espetáculo colapsam no mesmo sistema.
e o pior: esse sistema já existe — e você provavelmente o alimenta todos os dias.
o episódio narra a história de um casal da classe trabalhadora que enfrenta uma crise quando a esposa é diagnosticada com um tumor cerebral. a única solução é um procedimento experimental da empresa Rivermind, que promete restaurar a função cognitiva através de uma assinatura mensal. o que começa como uma esperança se transforma em um pesadelo de upgrades incessantes e degradação da qualidade de vida.
por que isso importa? 💡
o episódio expõe como nos tornamos dependentes de sistemas que prometem conveniência, geram dependência, e depois exigem cada vez mais de nós. a cada novo nível de assinatura da Rivermind, a personagem Amanda perde um pouco mais de sua autonomia, enquanto o marido, Mike, se vê forçado a realizar atos humilhantes em uma plataforma de streaming para arcar com os custos crescentes, desesperado pelo sofrimento imposto à esposa.
a crítica é direta: em um mundo onde até a sobrevivência é monetizada, o ser humano se torna produto, conteúdo e consumidor simultaneamente.
embora o episódio não trate diretamente de IA, ele aborda as implicações de sistemas que dependem de dados e energia — recursos que, muitas vezes, são extraídos às custas do bem-estar humano.
a necessidade de Amanda dormir mais para "aliviar os servidores" é uma metáfora potente sobre como nossas vidas são ajustadas para atender às demandas de tecnologias que deveriam nos servir.
para se aprofundar 🤿
“Common People” também levanta questões sobre a invasão da mente humana. quando Amanda começa a proferir anúncios involuntariamente, sua consciência é sequestrada por interesses corporativos.
a privacidade mental, último reduto da individualidade, é violada sem piedade, transformando pensamentos em mercadoria.
o episódio ainda acaba por ecoar o primeiro da série, “The National Anthem”, ao mostrar como o sofrimento alheio se torna entretenimento. Mike, ao recorrer à plataforma DumDummies, transforma sua dor em espetáculo para sobreviver.
a linha entre espectador e participante se dissolve, e todos nós nos tornamos atores de um show que nunca termina.
“Common People” não pergunta “e se?”. questiona: “até quando?”. até quando vamos aceitar que a próxima versão será mais invasiva, mais viciante, mais desumana — e ainda assim “inevitável”?
“Common People” não parece querer que você goste do episódio.
quer que você se sinta desconfortável por perceber que você é o episódio.
da atenção à intenção: ele já sabe mais do que você próprio
a última atualização do GPTudo, que agora armazena permanentemente as interações com cada usuário, vai muito além de uma melhoria técnica.
ela marca uma mudança estratégica silenciosa e profunda: a transição da economia da atenção para a economia da intenção.
antes o ouro estava nos cliques e em seu olhar fixo na tela, agora o objetivo é outro: compreender seus desejos antes mesmo de você formulá-los. e, assim, criar experiências hiperpersonalizadas, responsivas, “mágicas”.
o que está acontecendo?
o ChatGPTudo agora lembra tudo o que você disse, todas suas interações.
e mais: o que você não disse também!
a IA passa a traçar padrões, prever decisões, adaptar conteúdos — e, eventualmente, influenciar caminhos.
isso tudo sem você precisar entregar um único “dado pessoal” no sentido clássico (sempre faço esse alerta - pessoas acham que dado pessoal é CPF e RG).
basta conversar.
por que isso importa? 💡
porque estamos entrando em uma era em que damos muito... sem termos consciência disso.
💡 acesso gratuito em troca da sua identidade comportamental.
💡 respostas rápidas em troca de rastros emocionais, padrões de linguagem, sinais de cansaço, preferência e hesitação.
não fornecemos CPF, mas desnudamos nossa identidade.
e o mais grave: nem percebemos que estamos entregando tanto.
enquanto muitos acreditam que estão apenas “brincando” com IA, ela está refinando nossos perfis com base em inferências cada vez mais precisas — mesmo sem dados brutos, mesmo sem autorização explícita.
para se aprofundar 🤿
esse novo paradigma nos coloca diante de várias questões:
qual é o limite entre personalização e manipulação?
quem controla as intenções que são inferidas sobre mim?
o que acontece quando meu “eu digital” começa a tomar decisões que eu mesmo ainda não tomei?
lembra da trend dos bonequinhos de ação que inundou os feeds das redes sociais? cheguei a gravar um vídeo para falar sobre isso. dá uma olhada em um prompt básico para criaçào de um bonequinho daqueles:
crie uma imagem em alta qualidade de uma action figure estilizada inspirada em mim. a figura deve ter um visual único e carismático, com traços marcantes que remetam à minha personalidade: [as pessoas inserem aqui suas principais características, como estilo, hobbies, profissão ou elementos visuais que te definem — ex: "sou médico e corredor, gosto de tecnologia e ando sempre de terno"]. a pose deve ser heroica ou simbólica, como se fosse de uma coleção de figuras de edição limitada. o fundo pode ser simples ou com estética de embalagem colecionável. a iluminação deve destacar detalhes como textura das roupas, acessórios e expressões faciais.
notou o quanto a pessoa entrega em um simples post para uma trend?
quer testar isso na prática?
aqui vão dois experimentos simples (que já fiz com quem me segue nas redes sociais) para você entender o quanto a IA já te conhece — e o que você talvez ainda não vê sobre si mesmo:
o que a IA sabe sobre você?
com base em tudo o que já conversamos, o que você sabe sobre mim? considere meus interesses, comportamentos, padrões de uso e preferências. responda como se estivesse criando um perfil meu para um sistema de recomendação de conteúdo.
quais são seus pontos cegos?
se você tivesse que me ajudar a evoluir, quais seriam os meus três principais pontos cegos com base nas nossas conversas? quais padrões ou comportamentos eu repito sem perceber?
💡 spoiler: mesmo que você nunca tenha falado diretamente sobre sua vida pessoal, a IA talvez já saiba mais sobre você do que você gostaria de admitir.
mais uma rede social? tem gigante querendo entrar no jogo
semana passada rolou um boato de que a OpenAI está desenvolvendo seu próprio “X” (leia-se: Twitter) — uma rede social com foco em geração de imagens e interação social via IA.
o projeto ainda estaria em fase inicial, mas já tem um protótipo com feed social integrado ao ChatGPT. a dúvida: será um app separado ou mais uma aba dentro do ChatGPT?
por que isso importa? 💡
porque uma rede social movida a IA não é só mais uma rede social.
é um novo tipo de ambiente onde o conteúdo já nasce otimizado, viral, provocador — e (quase) nada humano.
além disso, daria à OpenAI um ativo valioso que Meta e X já têm: dados sociais em tempo real. e dados, como já deu pra perceber, são o ativo que todos querem.
enquanto Musk treina a Grok com conteúdos do X e a Meta alimenta o LLaMA com os bilhões de posts dos seus usuários, a OpenAI ainda depende de fontes externas para treinar seus modelos. Uma rede social própria resolve esse problema lindamente.
para se aprofundar 🤿
a ideia por trás do protótipo é simples e perigosa: usar IA para ajudar as pessoas a criarem conteúdo mais impactante.
e aqui vai um ponto crucial:
as redes sociais que conhecemos nasceram do zero.
a da OpenAI, por outro lado, já nasceria com profundo conhecimento sobre os usuários — ao menos os que interagem com o GPT, o que facilitaria brutalmente a captura de sua atenção.
isso muda completamente o jogo. não se trata só de “atrair usuários”, mas de criar uma rede já personalizada, já otimizada, já moldada para você — desde o dia zero.
e agora?
a pergunta não é “será que a OpenAI vai lançar uma rede social?”, mas sim: o que acontece quando redes sociais inteiras começam a ser gerenciadas por IAs que aprendem em tempo real com tudo o que você posta, sente e compartilha?
esse futuro pode estar mais próximo do que parece (e fortalece muito a teoria - adoro - da internet morta).
e, talvez, não seja tão... social assim. 🤖
antes de terminar, um esclarecimento…
depois que fiz o alerta do risco a que as pessoas estavam submetidas criando as fofas imagens em estilo Ghibli, um tanto de gente me perguntou: “mas e aí, então não faço?”.
digo aqui o que disse a elas: eu sou um ferrenho defensor da informação. as pessoas precisam estar informadas sobre o que elas estão fazendo, ou querem fazer, e as consequências disso. com a informação em mãos, elas decidem.
quem me conhece já sabe disso, mas para quem ainda está me conhecendo, deixo claro que sou um apaixonado por tecnologia, um ferrenho early user. não é ela a culpada pelo que fazem, e sim as pessoas. culpar a tec é como culpar a faca de manteiga por ter sido usada para matar alguém.
meu objetivo é permitir que as pessoas sejam capazes de refletir sobre assuntos que, muitas vezes, elas sequer pararam para pensar a respeito. se eu consegui provocar uma simples reflexão, já me dou por satisfeito.
então é isso. obrigado por ler. estaremos de volta daqui a duas semanas, a não ser que seja acionado o plantão do Ruy…